"O mundo é mágico.
As pessoas não morrem, ficam encantadas."
Guimarães Rosa
O Conto
O conto é um texto curto que pertence ao grupo dos gêneros narrativos ficcionais.
Caracteriza-se por se condensado, isto é, por apresentar poucas personagens, poucas ações e tempo e espaço reduzidos.
Nos gêneros narrativos, a sequência de fatos que mantêm entre si uma relação de causa e efeito constitui o enredo.
O enredo do conto tradicional estrutura-se com base nas seguintes partes:
Introdução (ou apresentação):
Geralmente coincide com o começo da história;
É o momento em que o narrador apresenta os fatos iniciais, as personagens e, às vezes, o tempo e o espaço.
Complicação (ou desenvolvimento):
É a parte do enredo em que é desenvolvido o conflito, isto é, qualquer elemento da história que se opõe a outro, criando um tensão que organiza os fatos narrados e, consequentemente, prende a atenção do leitor ou do ouvinte.
Clímax:
é o momento culminante da história, ou seja, aquele de maior tensão, no qual o conflito atinge o seu ponto máximo.
Desfecho (ou conclusão):
É a solução do conflito, que pode ser surpreendente, trágica, cômica, etc., e corresponde ao final da história.
Produção Textual: conto
Apresentamos a seguir o início de contos de escritores brasileiros.
Escolha um deles e dê continuidade à narrativa.
“O telefonema pegou-a de surpresa.
Atendeu com impaciência, os olhos presos a um livro que tinha nas mãos, uma história policial que não conseguia parar de ler.
Era bom estar sozinha, lendo um livro de suspense numa noite de ventania.
O sábado já estava quase no fim e ela ali, presa àquelas paginas.
O som do telefone era uma intromissão, um estorvo.
Atendeu a contra gosto”.
(Heloisa Seixas. Contos Mínimos. Rio de Janeiro: Record, 2001. P. 43)
“- Até que enfim chegou a minha vez, Camila.
Tatá reclamou com razão.
Quase todo mundo já tinha respondido as perguntas do caderno da Camila.
Ele esperou , esperou, esperou com paciência, com calma, com o canto dos olhos, com uma vontade doida de pegar aquele caderno espiral de capa ensebada de tanto passar de mão.
Às vezes ficava com ligeira impressão de que Camila sabia dessa sua ansiedade – e, pior, sabia do motivo da ansiedade – e por isso negava silenciosamente o direito de Tatá registrar suas respostas no caderno dela.
-Até que enfim...”
(Edson Gabriel Garcia. Contos de amor novo. 3 ed. São Paulo: Atual, 1999. P. 50)
“Esse barulho todo é o Nilo chegando, jogou os livros e cadernos no sofá e gritou para a mãe que queria comer.
- Como se eu não soubesse! - Disse ela - Mas primeiro, ó: - e apontou para os livros no sofá - e depois ó: lavar as mãos.
- É para já! - Ele disse. Pegou os livros, levou-os para o quarto e voltou correndo.
E enquanto enxugava as mãos se olhando no espelho gritou para a cozinha: - Mãe! Eu tenho uma novidade...”
(José J. Veiga. Torvelinho dia e noite. São Paulo: Difel, 1985. P. 11.)
“Com a gola do paletó levantada e a aba do chapéu abaixada, caminhando pelos cantos escuros, era quase impossível a qualquer pessoa que cruzasse com ele ver seu rosto.
No local combinado, parou e fez o sinal que tinham já estipulado à guisa de senha.
Parou debaixo do poste, acendeu um cigarro e soltou a fumaça em três baforadas compassadas. Imediatamente um sujeito mal-encarado, que se encontrava no café em frente, ajeitou a gravata e cuspiu de banda.
Era aquele. Atravessou cautelosamente a rua, entrou no café e pediu um guaraná.
O outro sorriu e se aproximou:
- Siga-me! ...”
(Sérgio Porto)
“Noite escura no mato.
Estrada de terra sem vivalma. O vento gemendo pelos galhos e as nuvens passando nervosas, querendo chover.
Um homem vem vindo lá longe.
Devagarinho. Sem lua nem estrela para iluminar a viagem.
Vem de sacola pendurada no ombro e, na mão, um pau de matar cobra.
Trovoada. Os pingos da chuva principiam a cair.
O viajante aperta o passo. Na curva, dá com uma casa abandonada.
Cai um raio de despedaçar árvore. A chuva aperta. Na porta da tapera tem uma cruz desenhada.
O homem não quer saber de nada. Mete o pé na porta e entra.” (...)
(Ricardo Azevedo)
A crônica
A crônica é, primordialmente, um texto escrito para ser publicado no jornal.
Assim o fato de ser publicada no jornal já lhe determina vida curta, pois à crônica de hoje seguem-se muitas outras nas próximas edições.
Há semelhanças entre a crônica e o texto exclusivamente informativo.
Assim como o repórter, o cronista se inspira nos acontecimentos diários, que constituem a base da crônica.
Entretanto, há elementos que distinguem um texto do outro.
Após cercar-se desses acontecimentos diários, o cronista dá-lhes um toque próprio, incluindo em seu texto elementos como ficção, fantasia e criticismo, elementos que o texto essencialmente informativo não contém.
Com base nisso, pode-se dizer que a crônica situa-se entre o Jornalismo e a Literatura, e o cronista pode ser considerado o poeta dos acontecimentos do dia-a-dia.
A crônica, na maioria dos casos, é um texto curto e narrado em primeira pessoa, ou seja, o próprio escritor está "dialogando" com o leitor.
Isso faz com que a crônica apresente uma visão totalmente pessoal de um determinado assunto: a visão do cronista.
Ao desenvolver seu estilo e ao selecionar as palavras que utiliza em seu texto, o cronista está transmitindo ao leitor a sua visão de mundo.
Ele está, na verdade, expondo a sua forma pessoal de compreender os acontecimentos que o cercam.
Geralmente, as crônicas apresentam linguagem simples, espontânea, situada entre a linguagem oral e a literária.
Isso contribui também para que o leitor se ntifique com o cronista, que acaba se tornando o porta-voz daquele que lê.
Há diferentes estilos de crônicas, associados ao perfil de quem as escreve.
Todos os estilos, porém, acabam por encaixar-se em três grandes grupos de crônica: as poéticas, as humorísticas e as que se aproximam dos ensaios.
Estas últimas têm tom mais sério e analisam fatos políticos, sociais ou econômicos de grande importância cultural.
Leia a crônica de Moacir Sclyar, reproduzida do jornal Folha de S. Paulo,
Pobre Pequeno Príncipe, perdido em pérfido planeta
Os destroços do avião do escritor e piloto francês Antoine de Saint-Exupéry, autor do livro "O Pequeno Príncipe", foram descobertos no litoral de Marselha, quase 60 anos após seu desaparecimento.
Folha Online Mundo, 7.abr.2004
Como é fácil imaginar, a notícia de que o avião de Saint-Exupéry havia sido finalmente encontrado provocou grande comoção, sobretudo entre os fãs do escritor, ainda muito numerosos.
De imediato, um comitê foi formado com o objetivo de trasladar os destroços do aparelho para um grande memorial a ser construído em Paris.
Mas quando os encarregados da tarefa dirigiram-se ao local, uma pequena e pedregosa praia não distante de Marselha, tiveram uma surpresa.
De uma gruta próxima emergiu uma figura estranha.
Era um velho, talvez octogenário, talvez nonagenário, longa barba, cabeleira desgrenhada, vestindo farrapos. Empunhando uma espécie de pequena espada enferrujada, avançou na direção dos homens:
- O que vocês querem? Deixem esses destroços aí. São do avião do grande Saint-Exupéry.
O chefe da equipe, homem culto e educado, achou que estava diante de um maluco.
Mas não perdeu a calma. Em tom conciliador, explicou que os destroços seriam levados para um lugar em que todas as pessoas, inclusive leitores de Saint-Exupéry, pudessem vê-los.
O velho abanou a cabeça:
- De maneira nenhuma. Os destroços do avião não saem daqui. Não enquanto Saint-Exupéry não retornar. Eu estou aqui à espera dele há 60 anos e ficarei mais de 60 anos se necessário.
E subitamente enfurecido gritou:
- Sessenta anos, vocês sabem o que é isso? Sessenta anos.
Eu era um menino lindo, loirinho, quando vim para cá, diretamente do asteróide B 612, que vocês, aposto, nem conhecem.
Agora sou um velho desdentado, reumático, um velho que passa o dia todo resmungando.
Não tenho com quem falar, entendem?
Não tenho com quem falar.
Havia uma flor com quem eu conversava, uma bela flor, mas ela morreu há muito tempo.
Havia também uma raposa, muito esperta, que me dizia coisas inteligentes; sumiu.
Quanto ao Saint-Exupéry...
Enxugou os olhos:
- Não sei dele. Mas prometi a mim próprio que cuidaria dos restos de seu avião até que voltasse.
E cumprirei minha promessa, custe o que custar.
O chefe da equipe tentou de novo ponderar que aquilo não tinha sentido:
- O senhor está vendo, o tempo passou, o mundo mudou...
O velho olhou-o um instante e depois disse em tom de desprezo:
- O mundo mudou? Não é isso o que eu vejo. O meu mundo continua o mesmo. É isso o que eu vejo, e eu é que estou certo.
O senhor vê mal as coisas, amigo.
O senhor não sabe que, como disse um escritor cujo nome já não lembro, o essencial é invisível para os olhos?
Jogou sobre os ombros o rasgado manto que tinha nas mãos, colocou sobre a cabeça a coroa agora muito pequena, e lá se foi ele, o velho Pequeno Príncipe.
Exercícios
1. A crônica não reproduz a realidade, mas uma visão recriada dessa realidade pela capacidade lírica e ficcional do cronista. Responda.
a) A partir de que acontecimento real foi gerado o assunto da crônica?
b) Que situação inusitada é apresentada na crônica?
2. Identifique as afirmações que, de acordo com o tipo de texto, identificam uma crônica ou uma notícia.
a) Os fatos, acontecimentos e situações são comentados a partir de uma visão subjetiva, incluindo elementos como ficção, fantasia, criticismo.
b) Tem como propósito comunicativo informar, registrar o acontecimento de modo impessoal.
c) Tem como propósito comunicativo entreter, provocar reflexões sobre um fato, expondo uma forma pessoal de compreender esse fato.
d) Faz uso de uma linguagem simples, coloquial e despretensiosa, mas com lirismo e singularidade.
e) Trata os fatos do cotidiano, de interesse da comunidade.
f) Faz uso da linguagem formal, usando uma das normas urbanas de prestígio e pautando-se pela tradição gramatical.
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