CONTOS DE TERROR
PARA ONDE FORAM TODOS?
Autor: Jurandir Araguaia
Despertei sentindo-me estranho esta manhã. Senti-a me leve, forte, bem-disposto, com uma energia que trazia de volta os bons tempos de minha juventude. A escuridão do quarto, propositalmente forçada pela densidade de nossas negras cortinas, mascarava, como sempre, a real cor do dia.
Sabia que era dia, tal o meu estado de disposição. No entanto, por que o meu cachorro não me acordou ao latir, como sempre faz, mesmo que seja domingo?
- Querida, querida. Tentei acordar minha esposa ao lado na cama, mas somente toquei em seus travesseiros e lençóis. Acordou ela sem me chamar? E as crianças, e a escola? O despertador falhara? Olhei para a tela do aparelho, sobre a cabeceira de minha cama, e o visor estava apagado.
- Queda de energia. Que novidade! Mas os ruídos da casa, a correria das crianças antes de sair para a escola. O barulho dos talheres no café da manhã. Teriam resolvido poupar-me e deixar a dormir? Urgia que se me apressasse para correr ao trabalho. Fui ao interruptor acender a luz. Sem energia. Fiquei irritado com meu esquecimento. Procurei as cortinas e abri-as. O dia amanhecera estranhamente nublado, com uma luz difusa denunciando as primeiras horas da manhã. Abri a janela do sobrado. Silêncio total. Nem o ruído dos carros, as vozes distantes das pessoas, o canto dos pássaros, o silvo do vento, o latir do Toby.
- Toby! Toby! Chamei-o à janela, o que sempre respondia correndo e pulando. Onde estará o Toby?
Calcei os chinelos. Vesti o roupão. Saí pela casa. Fui ao quarto das crianças. Vazio. Camas desarrumadas.
- Como a Kely permitiu que saíssem sem arrumar as camas? Estariam tão atrasadas assim? Voltei ao meu quarto e na gaveta do armário busquei meu relógio. Ele apontava três horas e quinze minutos. Os ponteiros parados.
- Eu não acredito. Um relógio caro e da melhor marca parou no meio da madrugada? Teria comprado gato por lebre? Não, eu sabia reconhecer uma boa marca adquirida em uma das melhores lojas da cidade. Desci ao térreo e me dirigi para o relógio da cozinha. Igualmente parado. Os ponteiros marcavam três e quinze.
- O que está acontecendo? Abri a porta da cozinha. Toby! Toby! Nenhuma resposta. Onde estará Kely? Levou as crianças para a escola? Teria voltado e saiu para caminhar com Toby? Isso. Estou me afligindo sem motivo aparente.
Voltei ao quarto e procurei o celular. Não ligava. Impossível. A bateria estava com a carga completa. Tenho certeza disso. Pequei o telefone fixo. Sem sinal de linha. Tentei de novo. Apertei nervosamente a tecla de repouso. Nada. Nada. Nada. A Tv era impossível, visto que a energia ainda não voltara. Vesti qualquer roupa e saí para a porta. O carro de Kely na garagem. Apoiei minhas mãos sobre o capô. O motor estava frio. Ela não saíra. Mas e as crianças? Pelas grades do portão percebi que não havia ninguém nas ruas. Nenhum pedestre ou carro. Nenhum som vindo das janelas dos prédios em volta. Os outros sobrados estavam mudos, silenciosos. O rádio do carro! Corri e peguei as chaves. Entrei no veículo. A bateria não dava qualquer sinal. Tentei ligar o rádio. Sem resposta.
Abri o capô. Todos os cabos conectados. A bateria parecia boa. Tentei nova partida e nada. Corri para pegar a chave do carro da Kely. Aconteceu o mesmo. Bati nervosamente minhas mãos sobre o volante. Parei para pensar.
Voltei e tentei novamente com o celular, com o telefone. Nada. Somente então percebi que o celular de Kely estava em casa e sua bolsa com os documentos. Ela não saíra. Desci para o quintal. A coleira de Toby no mesmo lugar. Ela não levara o cachorro ao passeio. Saí para a rua. Ninguém. Não havia viva alma. Nenhum trânsito.
Desci correndo para a Alameda principal. Ali sempre havia alguém. Seria impossível se não houvesse nada. Mas não havia. Uma estranha bruma cobria o sol; às vezes permitindo que um tímido raio quisesse se manifestar. O canal da alameda deserto. Ninguém fazendo caminhada - o que seria normal naquele horário e em qualquer dia que fosse. Todo o comércio fechado. As ruas sem pessoas ou veículos.
Sentei em um banco próximo. Belisquei-me. Eu devo estar dormindo. É um pesadelo, um enorme pesadelo. Levantei-me e gritei por alguém. O som da minha voz ecoou por todos os cantos. Girei e olhei em volta. O silêncio petrificava-me. Foi a primeira vez que senti um medo real. Caminhei por longas horas. Vencido e desanimado. Percebi que não sentia fome ou sede ou frio. Estaria vivo? Teria todo mundo morrido ou apenas eu? Que força aquela que de um jato arrebatou todas as almas ou apenas a minha para outro universo? Ficara eu congelado em algum lapso de tempo? Perdido estaria eu para sempre entre o transcorrer de um milésimo de segundo? Em busca de respostas levantei-me e continuei a caminhar pela alameda extensa em busca de outra voz, de outra vida...
Pequeno conto de terror para crianças
- Baseado em Lewis Carroll
O ronronar de Dina enchia a sala naquela tarde silenciosa e entediante. Alice meditava nos seus olhos semicerrados. Aquelas nesgas de pupilas, tão finas como se traçadas pela unha da própria gata, pareciam conter na sua negritude tranquila toda a sabedoria do Universo.
Extremamente aborrecida depois de duas aulas (uma de Biologia e outra de Latim), Alice passeou os olhos pela sala de chão em xadrez, fixando-os alternadamente na gata e no monstruário das borboletas.
- Maldito pó! – Resmungou, levantando-se.
Limpando o monstruário com a manga do vestido, foi recitando:
- Polygonia interrogationis, vanessa virginiensis, mellicta athalia…
Subitamente, parou. Acabara de ver um reflexo no vidro.
Voltou-se.
À excepção da Dina, a sala estava deserta. A gata, no entanto, estava alerta. As pupilas, que há pouco não passavam de nesgas, tinham-se tornado em enormes globos. Olhava em volta enquanto a sua cauda se baloiçava de um lado para o outro.
- Será que há aqui ratos? – Pensou Alice em voz alta. – Bem, mesmo que os houvesse, não serias tu que me irias dizer, pois não, Dinah?
Voltou à limpeza do monstruário.
- Polygonia interrogationis, vanessa virginiensis, mellicta athalia…
De repente, voltou a vislumbrar um reflexo branco no vidro. Virou-se para trás mesmo a tempo de ver um coelho a atravessar a sala e a saltar em direcção ao espelho de corpo inteiro encostado à parede do lado esquerdo.
- Onde vais? – Perguntou. Mas ele já tinha desaparecido. – Dir-se-ia que ia apanhar o comboio, não te parece, Dinah?
Soltou uma risada e saltou para dentro do espelho, sem hesitar um segundo.
Sem saber como, Alice encontrava-se agora caindo no vazio, naquilo que parecia um poço sem fundo. Ao longe ouvia vozes que entoavam a mesma lenga-lenga que ela própria recitara há pouco:
- Polygonia interrogationis, vanessa virginiensis, mellicta athalia…
Pensou que estava a sonhar. À medida que ia caindo, as vozes ficavam cada vez mais fortes.
- Polygonia interrogationis, vanessa virginiensis, mellicta athalia…
Tapou os ouvidos enquanto as vozes gritavam num tom furioso:
- Polygonia interrogationis, vanessa virginiensis, mellicta athalia!
Quando estava quase a ensurdecer, tudo parou abruptamente. Abrindo os olhos, verificou que estava numa praia dominada por um profundo silêncio.
Mais à frente, o areal acabava para dar lugar a uma densa floresta, exuberante e colorida. Ao longe era possível avistar montanhas altas.
Algo brilhou na areia. Mínusculas partículas brancas e brilhantes como pedaços de luz atravessavam a praia, desde o mar até à floresta. O mais surpreendente é que no seu encalço se encontravam pegadas humanas, pequenas e pouco profundas, como se pertencessem a uma criança. Estranhamente, uma rede de apanhar borboletas estava caída no chão.
Curiosa, Alice foi ver mais de perto. Pegou na rede e examinou-a com cuidado, verificando que estava cheia de partículas. As pegadas vinham do mar em direcção à floresta. Enquanto pensava no que poderia ter acontecido, reparou que uma criatura se movia rapidamente dentro do mar. Sem largar a rede, foi ver mais de perto.
Era um peixe, um peixe luminoso, tão luminoso como um pirilampo gigante. Nadava em direcção à margem a uma velocidade vertiginosa, descrevendo movimentos em forma de torpedo. Quando atingiu a areia, saltou do mar e as suas barbatanas transformaram-se em asas. Voando, continuou a deslocar-se em direcção à floresta, deixando um rasto de partículas de luz.
Subitamente, Alice encontrou uma utilidade para a rede:
- Este sim, será um belo troféu para a minha colecção!
“De noite não há borboletas, só há traças”, reflectiu Alice, enquanto corria pelo areal fora, de rede na mão, para alcançar o estranho ser.
Quando conseguiu apanhá-lo já tinha entrado na área da floresta. Com um gesto desenhado por muitos anos de prática, prendeu a criatura na rede, que soltou um grito de surpresa. Alice ergueu a rede com a mão, mantendo-a fechada para que a sua presa não escapasse, sentindo-a esvoaçar como louca, numa revolta inútil.
Observou-a detalhadamente. Os seus pequenos olhos estavam arregalados. Caninos afiados, como os de um vampiro, espreitavam-lhe da boca. Porém, o mais impressionante era o seu pequeno corpo. A pele era transparente, permitindo ver os seus órgãos internos, particularmente pequenos ossos horizontais semelhantes a costelas que protegiam pequenos pulmões azuis. Estes encolhiam-se e dilatavam-se ao ritmo da sua respiração descontrolada. Mas o coração era o órgão que se destacava mais: vermelho, batia desenfreadamente, como se fosse saltar do peito.
- Mas que borboleta tão magrinha! – Exclamou Alice.
- Não sou uma borboleta. Sou um sonho. E já não sou alimentado há muito tempo.
O medo que sentia fazia com que as partículas de luz se soltassem das asas, única parte do seu corpo minimamente bonita aos olhos da sua caçadora. Toda a criatura tremia. Quanto mais brilho perdia, mais feia se tornava.
- Borboleta, traça ou sonho… Não serves para a minha colecção! – Sentenciou Alice. Furiosa, atirou a rede com violência contra o tronco de uma árvore.
Ao bater, a criatura soltou outro guincho, mas desta vez verdadeiramente sinistro, como um riso sarcástico e tresloucado.
Horrorizada, Alice afastou-se devagar, caminhando para trás. Não conseguiu tirar os olhos dela enquanto morria, borbulhando em bolhinhas de luz e soltando um enjoativo cheiro a flores.
Quando o que restava da criatura acabou de desaparecer no chão, queimando-o como ácido sulfúrico, Alice resolveu não pensar mais no assunto. Continuou o seu passeio pela floresta como se não tivesse acabado de presenciar aquele episódio tão macabro, sem sombra de remorsos.
Agora tinha oportunidade de reparar melhor no maravilhoso espectáculo que a natureza lhe oferecia ali. Era tudo diferente, como se cada ser vivo estivesse envolvido em pura magia. Havia flores como nunca tinha visto em lado nenhum, arbustos com bagas de todas as cores e formas, e até árvores minúsculas, semelhantes a bonsais.
A dada altura, sentiu um cheiro estranho. Olhando em volta, reparou em nuvens de fumo azul que pareciam sair de um cogumelo vermelho com manchas brancas, bastante grande, que lhe dava pelos joelhos. Curiosa, como sempre, aproximou-se.
Em cima do cogumelo estava uma lagarta do tamanho da mão de Alice, fumando chicha com um semblante tranquilo. A lagarta parecia-se bastante com a criatura que Alice confundira com uma borboleta. O seu corpo esverdeado era transparente, mostrando os seus órgãos internos. Em vez de pêlos, tinha espinhos à volta do corpo. Com o olhar fixo num ponto indefinido, parecia nem ter dado pela presença dela.
- Desculpe – começou, colocando-se de cócoras -, sabe dizer-me como volto para casa? Está a ficar tarde e os meus pais vão ficar preocupados comigo.
A lagarta pareceu não a ouvir. Continuou a inspirar e a expirar o fumo como se Alice não existisse. Quando a menina fez menção de se levantar, a lagarta finalmente reagiu. Perguntou, sem desviar os olhos uma única vez na direcção dela:
- Quem és tu?
- Sou a Alice. – Respondeu ela.
Expirando mais uma baforada de fumo, a lagarta ripostou:
- Isso não responde à minha pergunta.
Ela impacientou-se:
- Deves achar que és muito esperta, não é? – Cruzando os braços à frente do corpo, acrescentou: - Então e se EU te perguntasse quem eras, o que responderias?
Novamente a lagarta ficou em silêncio. Continuou a fumar lentamente, como se o tempo tivesse parado.
Alice pensou que a tinha deixado sem resposta e, satisfeita com isso, ia levantar-se novamente, quando ouviu:
- Responderia que sou um projecto de sonho.
- Quando muito – irritou-se ela –, poderias ser um projecto de borboleta. Vou-te mostrar o que faço às minhas!
Sorrindo maldosamente, tentou agarrar a lagarta com as mãos. Mas assim que o fez, os picos que lhe rodeavam o corpo furaram-lhe a pele. Soltando um uivo de dor, sacudiu-a instintivamente, atirando-a na direcção de uma enorme flor. Para espanto dela, a flor mexeu-se: inclinou-se para alcançar a lagarta na sua trajectória e… engoliu-a.
A menina ficou a olhar por uns instantes, atónita. Nunca tinha visto uma flor carnívora.
- Bem, parece um troféu suficientemente exótico para levar para casa! – Exclamou, dirigindo-se à flor.
Ao tentar agarrar-lhe o caule, a flor virou-se na direcção dela e falou:
- Polygonia interrogationis, vanessa virginiensis, mellicta athalia!
De seguida, todas as flores da mesma espécie a imitaram, voltando-se na direcção de Alice e entoando a mesma lenga-lenga:
- Polygonia interrogationis, vanessa virginiensis, mellicta athalia!
Aterrorizada, começou a recuar, de olhos arregalados. O grupo de flores carnívoras continuou a repetir:
- Polygonia interrogationis, vanessa virginiensis, mellicta athalia!
Desatou a correr pela floresta, perseguida ainda pelas vozes.
Desta vez, Alice correu com todas as forças que tinha. Correu não apenas o suficiente para se afastar das flores, mas até ficar completamente sem fôlego.
Quando sentiu que não aguentava mais, deitou-se no chão, em cima de relva. A raiz de uma árvore serviu-lhe de almofada enquanto recuperava o ritmo da respiração. Esteve uns minutos de olhos fechados, sustendo as lágrimas, esgotada e frustrada. Tudo o que queria era sair daquele lugar com algo bonito que pudesse mostrar a toda a gente. Tudo o que queria era conseguir a atenção da família e colegas de escola por momentos. Tudo o que queria era ouvir: “Que beleza, Alice. Como o conseguiste?”. Tudo o que Alice queria era granjear surpresa, admiração e inveja.
Mas ali, naquele sítio louco, a beleza tornava-se em fealdade assim que a possuía. Ou então, como no caso da flor carnívora, a beleza era perigosa. Ou seja, naquele lugar, a beleza era impossuível. Não era algo que se pudesse apanhar ou até comprar e levar para casa.
(Alice não compreende que a beleza é livre.)
Abrindo os olhos, reparou num pormenor que até então lhe havia passado despercebido. Em cima do céu completamente negro repousavam duas enormes luas: do seu lado esquerdo, uma lua roxa em quarto decrescente; e do direito, uma lua laranja em quarto crescente. Pareciam próximas, e Alice estendeu as mãos, como se lhes quisesse tocar.
- Que disparate! – Exclamou, apercebendo-se de que a distância curta era apenas uma ilusão de óptica.
Levantou-se de um salto, e já ia procurar uma forma de sair dali quando outra coisa lhe prendeu o olhar.
Ao fundo, algures entre a floresta densa, era possível ver o pico de uma montanha, em cima do qual se encontrava uma macieira invulgarmente grande. Dir-se-ia que a montanha era pequena demais para a enorme árvore. Por sua vez, a árvore parecia demasiado frágil para aguentar nos seus ramos o peso dos gigantescos frutos, maçãs redondas e vermelhas, quase obscenas de tão gordas. Alice reparou que em metade das maçãs se reflectia uma luz laranja, e na outra metade uma luz roxa; isso significava que a macieira estava posicionada exactamente a meio das duas estranhas luas.
Em todo o caso, não tinha sido isso a chamar-lhe a atenção. À volta da árvore esvoaçava o que parecia ser um pássaro gigante de asas coloridas. Eram lindíssimas, com todas as cores do arco-íris em todas as variações existentes. A ave assemelhava-se a um beija-flor, pairando no ar em frente às maçãs, como se fosse possível ver-se ao espelho em cada uma delas.
“Espelho mágico, espelho meu…”. Alice começou a caminhar na sua direcção, completamente absorvida pela sua beleza. Não fazia ideia de como o atrair, mas desejava possui-lo como nunca tinha desejado nada na vida.
Sem o perder de vista enquanto caminhava, observava-o, admirando os movimentos subtilmente elegantes com que passava de um lado ao outro da macieira. Entretida, percorreu o caminho que tinha andado para trás. Passou pelas flores carnívoras sem lhes prestar atenção. Mas ao chegar ao local onde tinha morto a primeira criatura, algo a fez parar.
- Que cheiro é este?
Olhando em volta, entendeu: era aquele cheiro a flores que dificilmente iria conseguir esquecer.
Alice fixou o olhar no pedaço de chão onde a criatura tinha morrido. Estava queimado. Ainda se lembrava do grito tenebroso que tinha emitido ao morrer…
Absorta nessa recordação macabra, reparou de súbito que no chão se projectava uma sombra estranha, enorme e sinistra, de um ser que agitava as asas sem sair do sítio.
Petrificada, ficou uns segundos quieta, aguardando com o coração aos saltos. Conseguia ouvir o agitar das asas e um som semelhante a um silvo que lhe causava arrepios na espinha. Como nada acontecia, foi-se voltando devagar, aterrorizada com a perspectiva do que ia encontrar. Sentia os cabelos a roçarem-lhe o pescoço e o rosto, agitados pela brisa provocada pelo dragão que pairava no ar, fitando-a com interesse.
O que mais impressionou Alice foram os seus olhos, vermelhos e brilhantes como a mira de uma arma. Da boca espreitavam-lhe quatro caninos afiados e uma língua bifurcada, que ia e vinha como se o dragão estivesse a saboreá-la. O seu corpo era verde, mas as escamas reflectiam as tonalidades das suas asas coloridas, que misturavam o formato das asas de morcego com as cores de beleza explosiva das asas de borboleta.
Alice compreendeu que se tratava da criatura que ela tinha visto ao longe e que confundira com um inofensivo pássaro. Porém, recordou, nada era o que parecia naquele lugar.
Repentinamente o dragão falou (e ela não conseguiu desviar os olhos arregalados do fumo que lhe escapava pela boca):
- Quem és tu?
Em pânico, não respondeu logo. Demorou algum tempo a entender o sentido da pergunta (mas o dragão era paciente). Ia dizer que se chamava Alice até se lembrar da conversa com a lagarta. Então murmurou baixinho:
- Sou uma menina.
O dragão riu um riso sarcástico que fez estremecer as árvores em volta.
- A mim não me enganas! És uma borboleta.
- Não! – Estava cada vez mais assustada. – Nem sequer tenho asas! Tu pareces-te mais com uma borboleta do que eu!
O dragão pareceu hesitar. Continuou a pairar no vazio e a fitá-la imperscrutavelmente. Lágrimas silenciosas já corriam pelo rosto da menina quando ele finalmente sentenciou:
- Não sou uma borboleta. Sou um pesadelo. – Aproximando-se, acrescentou: - E tu és o exemplar que falta na minha colecção!
Com um voo raso, apanhou Alice e ergue-a no ar, pendurada nas garras pela roupa.
Enquanto ela gritava inutilmente, o dragão levou-a para trás da montanha com a macieira, onde havia um vale profundo coberto de névoa. Começaram a descer, e a descida fez-lhe lembrar o momento em que saiu de casa e caiu no vazio. Agora desejava nunca, nunca, nunca o ter feito.
Enquanto ela gritava inutilmente, o dragão levou-a para trás da montanha com a macieira, onde havia um vale profundo coberto de névoa. Começaram a descer, e a descida fez-lhe lembrar o momento em que saiu de casa e caiu no vazio. Agora desejava nunca, nunca, nunca o ter feito.
Por fim, Alice foi largada. Caiu no chão e, ainda desorientada, sentiu que o monstro deu a volta e encostou o focinho mesmo perto do rosto dela.
- Já volto. Vou buscar uma coisa.
E foi para cima.
Afastando a baforada de fumo da cara, Alice não demorou muito tempo a habituar os olhos à semi-escuridão. A primeira coisa que viu foi um gigantesco mostruário. Ou melhor, será mais adequado dizer um monstruário.
Estava dividido por compartimentos, e em cada um só havia esqueletos suspensos por alfinetes gigantes e uma placa com um nome em Latim. Ela leu as últimas três:
Polygonia interrogationis
Vanessa virginiensis
Mllicta athalia
A Voz Na Escuridão
David era uma homem alto, cabelos curtos pele branca olhos saltados e manco da perna esquerda, estes eram as características que mas se notava quando ele vinha andando, as outras coisas eram herdadas do pai da mãe só tem o modo de pensar sempre positivamente nas coisas. Seu mancar ele ganhou em um acidente de carro a mas ou menos dois anos quando voltava de uma festa na faculdade de educação física, curso alias que ele nunca terminou e hoje trabalha como caixa em uma loja de cosméticos em São José dos campos.
Neste mesmo acidente David perdeu a namorada Elisa que vinha no banco da frente e sem cinto, seu carro chocou de frente com um outro em uma esquina. No carro de David alem da namorada tinha dois homens que nada sofreram no outro carro uma mulher que ele nem mesmo quis saber quem era que não morreu mas teve algumas queimaduras pelo que lhe contaram.
Digo isso porque o acidente mudou a vida de David que antes era um cara irresponsável, não ligava para o futuro e fazia esta faculdade só porque seu pai lhe ordenou e não era bem isso que ele queria, depois de começar a mancar decidiu sair da faculdade para dar um rumo a sua vida, chorou muito pela morte de Elisa e graças a Deus a família de nunca acusou David pela morte da garota, embora ele estive mesmo bêbado na noite do acidente a culpa não foi sua e sim da mulher de vinha na contra mão.
Depois da morte e Elisa ele ficou alguns meses sozinho e triste, mudando seu jeito de ser e repensando o futuro ate encontrar este emprego como caixa do qual tirava um dinheiro bom que lhe sustentava na casa que seu pai tinha lhe dado, seu robe favorito e navegar na internet como todos os jovens de vinte e cinco anos hoje em dia.
E é da internet que ele tira a maioria de seus encontros amorosos como os de hoje a noite como uma menina muito linda com que esta conversando a mais de trés meses, teve medo de ser algum tipo de brincadeira quando a garota disse que queria que o encontro fosse na casa dela, porque duas o trés vezes que pensava esta falando como mulheres eram na verdade homens; mas por sorte ele descobria antes, esta jovem que tem o nome de Rose e mesmo mulher pelo fato de já ter mostrado suas “Partes” para ele, apesar disso ela parecia ser uma moça direita, pensava no futuro queria ter filho e construir uma carreia, sempre conversavam pela webcam e ela tinha a voz mas bonita que David já tinha ouvido.
-Bom dia Laura. Disse David a sua Gerente logo que chegou no trabalho, a mulher baixa e loira olhou para ele e sorriu.
-Bom dia David pode falar o que você quer.
-Nossa como você sabe que eu vou pedir algum coisa?
-Hora pela sua cara. Disse ela organizando os papéis, pela loja alguns clientes já andavam e David soube que logo se formaria uma fila no caixa e ele teria que trabalhar.
-Ta bom Laura eu preciso sair uma hora mas cedo hoje. Disse ele ao que ela respondeu com um olhar indignado.
-Nossa David você não e casado não estuda não faz porra nem uma e o que mas sai mas sedo. Depois ficou seria olhando para ele enquanto outras caixas já atendiam os clientes. -Pode vai mas não me pede mas nada. Disse ele sorrindo.
Na verdade ele era um ótimo funcionário nunca tinham nada para reclamar dele e por isso naquele dia, depois de um dia comum e tranqüilo de trabalho David saiu da loja movimentada por mulheres e foi para casa se preparar para o encontro.
Que ela e mulher David já sabia só tinha duvida quanto a aparência dela porque ele sempre mantinha a luz apagada ao falar com ele na webcam dizia ela que tinha vergonha por já ter se mostrado para ele, a vezes David inexistia em querer ver seu rosto pedido que Rose negava sempre. Pela sombra dela só dava para saber que ela tinha cabelos cumpridos. Tinha uma voz tão doce e bonita que David se apaixonou primeira por sua voz.
Tomado um belo banho, usado o perfume mas caro e colocada a roupa nova que ele nem ao menos tinha experimentado ainda David foi para o endereço combinado, a principio ficou meio ressabiado pois era um bairro distante no qual poderia ser aquele encontro uma armadilha de bandidos.
Porem a lembrança da voz doce vinda pelas caixas de alto falante fizeram o homem dirigir com seu carro de segunda mão mas ainda valendo pelo menos quinze mil reais para o bairro distante para uma rua distante e sem vida, embora visse crianças por toda parte naquele bairro, David notou da mesma forma que a medida que ia se aproximando da endereço tudo ia ficando mas desabitado menos cuidado e mas sombrio.
Eram quase sete horas quando parou o carro a porta da casa que mas parecia abandonada, a lua estava cheia no céu, David consultou se relógio, olhou a rua escura a sua volta e teve vontade de ir embora no entanto andou ate a calçada deixando a porta de seu carro bater levemente. Olhou para a casa onde as janelas pareciam olhara para ele, onde a porta parecia uma boca preste a se abrir e engoli-lo.
Medo foi o que sentiu, em sua cabeça nascia a pergunta, poderia a dona de tão linda voz fazer parte de uma gangue ou algo assim, era doce, melodiosa e apaixonante como nem uma mulher já tinha sido nem mesmo Rose, a lembrança fez ele andar e mancar ate a porta e depois tocar a madeira de leve, o vento frio percorreu a rua.
E junto com o vento um andarilho passou do outro lado, carregava um saco preto nas costa e vestia roupas velhas, tinha a barba grande, o homem passou tão depressa, nem ao menos olhou para David o que lhe causou um assombro. Quis imediatamente voltar ao carro, depois ligaria para sua amada e diria que poderiam marcar um outro encontro me outro lugar, no entanto quando se virou ouviu a porta ranger atrás de si, e isso foi a ultima coisa que David ouviu.
Acordou sentindo dores na cabeça, sentia também que seus braços estavam dormentes, ao olhar para eles percebeu que era porque estavam suspensos, David estava em uma cama, amarada ao ela, cordas nos pulso e medo no peito. Em fim todos os seus medos eram reais. Estava escuro e ele pode perceber que se passaram muitas horas dês que tinha chegada, a lua via-se pela janela aberta muito mas alto do que o passar de uma hora, a cortinas balançavam ao sabor do vento.
Com medo David tentou se solta porem em vão, olhou tudo em volta e nada viu na primeira vez que olhou, apertou os olhos e percebeu que sua boca não estavam tampada, porem que iria ouviu-lo ale, resolveu poupar forças e não gritar. Olhou de novo tudo em volta e desta fez percebeu um volta a frente da cama, o quarto que estava pouco iluminado por uma vela não lhe deixou ver o rosto nem ao menos o corpo da pessoa tudo era um borrão.
-Quem e você? Perguntou e quando falou seu tom lhe assustou falou baixa e calmamente.
-Sua amiga. Disse e ele percebeu com assombro que era a Dona da voz, a Deus que voz linda que ela tinha e que medo terrível em seu coração.
-O que vocês querem comigo? Perguntou alterando um pouco o tom e querendo a o mesmo tempo ouvir de novo aquela voz.
-Nos quem? Só tem eu aqui meu amor. Por um instante tão pequeno que David não poderia se lembrar dele pensou que aquilo poderia ser um jogo dela que logo cairiam um nos braços do outro, mas isso passou.
-O que você quer e dinheiro? Tentou se livrar ta corda e desistiu sem saber que se tentasse mas um pouco a corda da mão direita se soltaria.
-Nada disso. Disse a mulher perdida nas sombras. -O que eu queria mesmo era minha vida de volta mas isso eu não posso ter. Fez pausa. -Eu vinha do lado errado mas isso não te dava o direito de me matar.
-Você e louca. Gritou ele e desta vez deixou a cortesia de lado. -Sua vaca. Em seu intimo David parecia mas louco porque adorava quando ela falava e queria ouvir mas sua voz.
-Sim acho que sim. Percebeu que ele se moveu nas sombras de um lado para o outro. -Depois do que você fez comigo eu fiquei assim.
-Sim, assim como e o que foi que eu.... ia terminar a frase mas se calou quando a figura saiu das sombras vestida em uma túnica suja e se mostrou para ele; uma massa podre que mas parecia um cadáver, algo que não poderia ser descrita com palavras.
-Você acabou com minha vida. Gritou a coisa na frente de David, o homem teve que se segurar para não gritar também.
De volta as sombras a mulher falou outra vez e David não pode acreditar que tão bela voz pertencia aquela figura monstruosa. O homem suava e temia por sua vida.
-Não posso ter minha vida de volta então acho que vou ficar com a sua nada mas justo.
A coisa andou para perto da janela apanhou algo em um canto que pareceu ser um galão, saiu das sombras e David fechou os olhos para não vela novamente, sentiu liquido ser jogado em seu corpo pelas mãos mortas da coisa e o cheiro denunciou que era gasolina.
-O que você vai fazer. Gritou ele abrindo os olhos e percebendo que a coisa estava agora perto da vela. Ouviu a doce voz e amou seu timbre porem ódio a reposta.
-Vou por fogo em você como você colocou em mim.
A mulher lançou a vela na cama e o fogo logo se espalhou perto das pernas do homem, que gritou esperneou.
-Eu te procurei na internet te seduzi e agora vou te matar.
A panico tomou conta de David e ele começou a se debater com força e em uma desta investidas o braço direito se soltou causando na mulher um espanto afinal nunca tinha sido boa e nôs mesmo.
Com a mão livre e sentindo o calor nas pernas David tentou desamarrar o outro braço, a massa morta saiu das sombras outras vez para impedir ele que se solta-se e no impulso ele aplicou-lhe um golpe com a mão livre que derrubou a mulher no chão, vestida em sua túnica com a cabeça caída nas sombras. O fogo subia e logo chegaria a parte mas encharcado, se soltou caindo no chão ao lado da mulher e o fogo tomou conta de toda a cama. Tinha gasolina no chão também.
David se levantou e pensou por um minuto se salvaria mulher porem o fogo estava descendo, correu sem olhar para trés deixando no chão o corpo desmaiado e logo morto. Correu descendo as escadas, queria volta e salva a mulher não poder ela mas por sua voz.
Chegou a sala e viu a porta de saída ali estava tudo muito bem iluminado e ele pode ver nas paredes recortes de jornais antigos que lhe causaram mas temor que a própria mulher desfigurada, mas temor que o próprio fogo.
O paralisia passou quando sentiu o ar quente tocar suas costas, saiu correndo da casa, para seu carro que continuava na frente da casa e depois acelerando e suando muito foi para longe dali.
Pesadelos assombraram os sonhos de David por muitos anos, quando ele soube pelos jornais que uma mendica tinha se ateado fogo em uma casa e morrido por conseqüência disso ele soube do que se tratava. A policia nunca lhe procurou e isso foi um bom sinal, mas os pesadelos daquela massa nojenta lhe perseguiram e ele ainda tinha amor pela voz. Nunca mas conseguiu se apaixonar por ninguém, sempre lembrava daquela bela voz que ele matou.
David entrou em decadência e de certa forma a coisa matou ele, matou sua vontade de trabalhar sua vontade de crescer e de ter um grande amor, engodou ficou doente , seus pesadelos eram sempre horríveis e ele nunca contou nada a sua família.
O pior pesadelo era sempre aquele em que ele descia as escadas correndo com o foto atrás dele tentando lhe devorar como um cão violento e ele parava na sala olhava para a parede e via os recortes de jornais. Em um deles tinha uma foto de um antes e depois de uma jovem linda que passou a ser uma figura careca, enrugada com poucos traços humanos. Lia-se
“Jovem modelo sofre acidente de carro, é retirada com vida porem o incêndio no carro lhe tirou sua ferramenta de trabalho, apesar do motorista do outro carro esta embriagado a culpa do acidente e atribuído a ele que vinha na contra mão”
parte disso ele leu, a outra parte ele montou em sua cabeça, em seus pesadelos sempre via a voz linda nas sombras lhe chamar e quando ele ia de encontro assustava-se com o monstro sem forma.
O diário de Melissa
Eu sempre a encontrava no mesmo horário. Todos os dias, às seis horas e trinta e oito minutos da tarde ela aparecia. Nunca falava nada, e eu, sempre tímido, também cultivava o silêncio que se impunha entre nós. Durante quinze ou vinte minutos ficávamos ali, sentados, conversando através de uma sinuosa troca de olhares.
Lembro de tê-la visto pela primeira vez enquanto caminhava pelos vastos jardins de minha nova residência. Alguns dias antes eu havia subido ao sótão da casa procurando por algo que agora já não me recordo. Encontrei o seu diário em meio a uma pilha de objetos, que foram deixados ali pelos antigos proprietários. O pequeno caderno chamou minha atenção por estar bem conservado, cuidado com evidente carinho. Sentei-me em uma cadeira próxima e, com interesse, comecei a folhear suas páginas, vagarosamente. Perdi a noção de tempo e acabei me esquecendo do que eu fora buscar ali.
Só me dei conta da hora quando o dia começou a escurecer e a leitura tornava-se difícil. Saí do sótão em direção ao meu quarto. Eu simplesmente não conseguia parar de ler aquelas páginas, havia algo de mágico, algum encantamento que fazia com que eu mantivesse meus olhos grudados naquelas páginas. Talvez fosse a caligrafia, que era tenra e suave; ouso dizer que cada letra constituía uma pequena obra de arte. Fiquei acordado até tarde, até que adormeci sentado na pequena poltrona existente em meu quarto.
Por um ou dois dias, meu tempo foi tomado pela leitura daquele diário. Ele pertencera a uma das filhas da antiga proprietária da casa. Nunca soube seu nome, pois o diário não o tinha anotado em lugar algum. Resolvi chamá-la de Melissa – apenas um nome escolhido aleatoriamente. As aventuras e desventuras descritas naquele pequeno caderno talvez não fossem interessantes, mas apresentaram-me uma pessoa com incrível personalidade, graciosa, meiga, e feroz, quando preciso. A cada dia que eu lia o diário, sentia-me mais e mais atraído por ela. A primeira vez que percebi isso, porém, uma estranha sensação tomou conta de mim. Percebi que estava apaixonando-me por alguém que eu ao menos vira, alguém a qual nunca tive qualquer tipo de contato senão por suas palavras. Apesar disso, sentia-me como se conhecesse profundamente Melissa, como se fossemos íntimos.
Deixei o diário de lado por uma semana inteira, e retomei as minhas atividades rotineiras. Um dia, quando eu havia terminado os meus afazeres da tarde, resolvi caminhar pelo extenso jardim dos fundos da propriedade. O canto dos pássaros formava uma orquestra desordenada, mas agradável de ouvir e o cheiro da grama, que se apresentava em um verde vivo, praticamente brilhante, causavam uma sensação de paz que há muito eu não sentia.
Segui pela trilha de pedras até chegar ao exagerado chafariz, que se localizava exatamente no centro do jardim. A água descia da boca de sombrios querubins que rodeavam uma espécie de espiral, que apontava diretamente para o céu. Talvez fosse um indicador do caminho do paraíso, caso alguém estivesse perdido. Sentei na beirada e, com uma das mãos, fiquei revolvendo a água.
Uma estranha sensação tomou conta de mim, a sensação de que alguém o observa e espreita na escuridão, por todos os lugares onde você passa. Parei de mexer na água e dei um pulo para trás, tropeçando e caindo sentado próximo ao chafariz. Ao meu lado, a poucos metros de onde eu estivera, uma presença feminina estava sentada, também revolvendo a água. Ela parou e me olhou, sem demonstrar o mesmo espanto que mostrei quando pulei de onde estava.
Curiosamente, não a ouvi chegar. Talvez eu estive tão perdido em meus pensamentos que meus sentidos estivessem perdidos juntos comigo. Quando meu coração voltou ao ritmo normal, olhei cuidadosamente a mulher sentada ao meu lado. Não precisei de muito tempo para saber que se tratava dela, Melissa. Lá estava ela, do jeito que eu a imaginava: pele branca, que parecia banhada pela luz da lua, longos cabelos negros vertiam-se sobre seus ombros, o rosto de curvas finas e delicadas, e os olhos mais hipnotizantes que eu já vira, negros como a noite.
Quando balbuciei tentando falar alguma coisa, ela fez um sinal com a mão para que eu fizesse silêncio. Obedeci sem pestanejar, mesmo porque eu não fazia a menor idéia do que falar. Com um sinal, ela pediu que me sentasse a seu lado, o que fiz com a velocidade de um adolescente. Trocamos olhares e seguramos nossas mãos; anos de cumplicidade em apenas alguns dias. As horas passaram, a noite chegou, e com ela, Melissa foi embora. Da mesma forma que chegou, sem dizer uma palavra, sem fazer um barulho. Continuei ali, sentando, contemplando a noite, observando-a ir embora.
(...)
Semanas se passaram, e todo dia, exatamente no mesmo horário, eu fazia a minha caminhada em direção ao chafariz. Depois da segunda semana, o canto dos pássaros não passava de um gralhar irritante, e o cheiro do mato não podia mais ser distinguido do cheiro proveniente dos estábulos. Eu não caminhava mais, eu corria apressadamente em direção ao monumento ao grotesco que era aquele chafariz que ocupava o fétido jardim. Tudo mudava quando Melissa chegava e iniciávamos a nossa troca de silenciosa de olhares. Aquele era o momento em que o mar atingia as rochas, o momento em que o mundo parava e os animais calavam-se. Aqueles eram os quarenta e seis minutos mais aguardados do dia.
Quando o encontro terminava, silencioso como começara, eu fazia o caminho de volta ao inferno. Voltava para a minúscula casa que me sufocava enquanto o tempo se arrastava até que chegasse o dia seguinte. Algumas vezes, no meio do dia, percorri a propriedade para tentar encontrar o lugar de onde Melissa vinha. Desnecessário dizer que foi uma busca infrutífera, embora eu suspeitasse de uma falha no muro aos fundos da propriedade, que dava em uma estreita estrada de terra que seguia em direção ao nada.
No quarto mês, uma situação, que eu classificaria como desgraça extrema, deixou-me a ponto de cometer uma estupidez. Melissa não apareceu. Esperei por horas, mas ela simplesmente não veio. Deitei-me no chão ao lado do chafariz e só acordei quando os primeiros raios de sol cutucaram-me o rosto. Voltei para a casa, correndo, e peguei o diário. Passei o resto do dia lendo-o, na vã esperança de encontrar qualquer pista que pudesse me dar o paradeiro de Melissa. Talvez ali estivesse anotado o lugar para onde ela se mudou com a família.
Dois, três, talvez quatro dias seguidos e ela não apareceu novamente. A ausência dela era como uma cólica que me atacava o estômago, fazendo com que me curvasse e, às vezes, caísse no chão. Os meses passaram e Melissa não aparecia. Eu já não trocava as roupas, não cortava o cabelo ou fazia a barba. O calendário pendurado na parede da cozinha ainda estava com a data do meu primeiro encontro com Melissa. Tudo o que fazia era ler o diário e fazer anotações que pudessem ser relevantes sobre ela.
Resolvi, um dia, seguir até a falha no muro dos fundos da propriedade e seguir a obscura estrada que se mostrava visível. Caminhei por alguns quilômetros, sem encontrar nenhuma construção, vila ou viva alma; deparei-me, entretanto, com um imenso descampado, cercado por um muro de não mais do que um metro e altura e completado por grades já enferrujadas até dois metros de altura. O portão estava quebrado, e pendia serenamente para o lado de dentro, escorado em parte pelo muro. A noite já se aproximava e logo não seria possível enxergar muita coisa. Apressei-me através do portão.
Demorei alguns minutos até perceber que o chão era ornamentado por lápides, e, logo o percebi, o desespero tomou conta de mim. Imaginei coisas terríveis, embora esperasse que não fossem verdade. Distante no horizonte, uma figura fez-se visível. Não demorei até perceber que era ela, a figura que povoava a minha imaginação e que dominava o meu universo. Melissa estava ajoelhada de frente para uma sepultura, que logo deduzi ser a dela. Corri ao seu encontro, e, como de costume, não trocamos uma palavra ao estarmos perto um do outro. Lá estava ela, linda como sempre, morta como sempre. Ela apontava para a sepultura, com um pequeno sorriso no rosto. Abaixei para tentar ler o nome que ornava aquele belo pedaço de mármore. Quando finalmente compreendi o que ali estava escrito, senti a cabeça girar. A escuridão se aproximou e a última coisa que me lembro foi o impacto de minhas costas no chão.
***
Quando acordei, estava deitado em minha cama, os lençóis desarrumados e sujos de barro, provavelmente por causa da sujeira em meus pés. Lentamente, as imagens foram aparecendo em minha mente, até que finalmente lembrei-me do ocorrido. Corri até a cozinha em direção ao calendário, ofegante, arranquei todas as folhas, uma por uma, até que as lágrimas começaram a descer de meus olhos quando percebi que a data era sempre a mesma: 23 de maio de 1978. O calendário não podia estar defeituoso, eu mesmo o comprara na data anterior à que ele mostrava e havia verificado-o atentamente.
Ainda atordoado, apressei-me de volta ao meu quarto em busca do diário de Melissa. Ao folheá-lo, entendi a razão pela qual me apaixonara de imediato por ela. A última página relatava algo parecido com “(...) hoje era o grande dia, o dia em que nossa união seria selada para sempre (...)”; mais adiante, a caligrafia que outrora era bela e graciosa transformou-se em garranchos enfadonhos, e dizia algo assim: “Espero que o Senhor, misericordioso, tenha uma explicação bem convincente para o que aconteceu, do contrário, vou entender este gesto como extremo egoísmo e sadismo!”. A data era 24 de maio de 1978. Chorei novamente quando lembrei que 24 de maio era a mesma data que constava na bela sepultura de mármore, bem abaixo do meu nome, ao lado da minha data de nascimento.
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