Conhecer textos expositivos
e instrucionais para questionar
Conhecendo o livro didático
Mergulhar nos textos expositivos e instrucionais é o caminho para que a garotada compreenda a linguagem da ciência, seu método de produção e seus limites.
Lorena Verli
Antes de começar a ler esta reportagem, pare um pouco.
Olhe à sua volta. Agora, verifique o seguinte: nesse rápido passeio, quanta ciência há ao redor? Pense nas roupas que usamos, nos móveis do ambiente e, é claro, nas páginas desta revista - para produzir e levar este exemplar às suas mãos, foram mobilizados saberes de diversas áreas de conhecimento, da Matemática dos computadores em que estas letras foram digitadas à Química da composição dos pneus dos caminhões que transportaram os exemplares até as bancas.
Para onde quer que se olhe, há ciência.
"Hoje, os estudantes já nascem inseridos num mundo científico-tecnológico.
Para que eles o entendam, têm de aprender o conteúdo científico e como ele é produzido, até para poder criticá-lo", diz Marcos Engelstein, professor de Biologia e assessor de Ciências do Colégio Anglo-Brasileiro, na capital paulista.
Essa preocupação inclui usar esse saber para fazer escolhas - como comer ou não alimentos com gordura trans - e também para entender seu limites - como identificar propagandas em que afirmações como "testado cientificamente" não passam de engodo.
A ciência, afinal, não é neutra nem detentora de verdades absolutas.
Levar a turma a perceber isso é uma das principais tarefas da leitura na disciplina apoiada principalmente no uso do livro didático (leia o quadro "Todos os recursos do livro didático").
Em sala de aula, os gêneros mais explorados (veja o quadro abaixo) têm características próprias do discurso científico: a busca da objetividade, precisão e uso de terminologia específica, sem espaço para a polissemia (quando uma palavra assume diversos significados).
Embora haja lugar para textos jornalísticos e até literários, os principais materiais de leitura na disciplina seguem sendo o texto expositivo e o livro didático.
Ao "traduzir" o artigo científico para um público mais amplo (lembremos que, na academia, um pesquisador escreve para seus pares, também especialistas no assunto), o livro didático o modifica, tornando-o mais palatável e compreensível pelo público leigo na forma de textos expositivos científicos.
Usar esse recurso como um material de apoio para ensinar o conteúdo faz todo o sentido.
O problema é que muitos professores acabam transformando-o na aula em si. Isso faz com que o livro seja a única fonte de conhecimento e, nesse caso, em vez de contribuir para ampliar a visão de mundo do aluno, acaba por fechá-la.
Tanto pior se o docente apenas pedir à turma para que leia determinado capítulo e responda um questionário sem se preocupar com a compreensão do conteúdo lido.
Há ainda outra consideração importante: mesmo que seja mais simplificado, o texto do livro didático requer um processo de interpretação complexo.
Por envolver diversos gêneros tanto em linguagem verbal quanto imagética, sua leitura exige do aluno um conjunto de habilidades que permitem a ele contemplar a diversidade de cada tipo de texto e perceber as relações entre eles.
Por isso, vale a pena criar oportunidades para que, no início do ano, todos possam explorar o livro. Algumas perguntas ajudam a chamar a atenção para as condições de produção e para a organização da obra.
Quem são os autores?
Eles deixam alguma mensagem para nós?
Que assuntos vamos estudar?
Há figuras e tabelas? Para que servem?
Gêneros privilegiados em Ciências
Texto instrucional
Típico das experiências práticas, caracteriza-se por uma sequência de instruções que, se mal interpretadas, podem levar a conclusões incorretas. Investigar as imagens que geralmente acompanham o texto escrito, complementando seu sentido, auxilia na compreensão do conteúdo.
Texto jornalístico
Ao aproximar o conteúdo escolar dos fatos cotidianos, reportagens de jornais e revistas (sobretudo as de divulgação científica) possibilitam discussões sobre saúde, alimentação, meio ambiente e tecnologia.
Ele têm linguagem mais simples e permitem que assuntos controversos entre os cientistas sejam discutidos pelos alunos.
Texto expositivo
Característico dos artigos científicos, também aparece nos livros didáticos. É um texto fechado, sem espaço para várias interpretações. "Baseado em comprovações obtidas por meio de experiências, o autor deixa claro o caminho que fez para chegar à conclusão, comprovando ou refutando uma hipótese inicial", diz Marcos Engelstein. O livro didático tem a vantagem de simplificar o discurso científico. Mas, para fazer os alunos avançarem, é preciso colocá-los em contato com textos que circulam no meio acadêmico, mais complexo.
Todos os recursos do livro didático
Na EMEF Mauro Faccio Gonçalves-Zacaria, a professora promove uma exploração das páginas antes de ler um texto sobre a água
1 - Destaque
As palavras grafadas no texto em cores diferentes fornecem pistas sobre o tema tratado ("a água está presente na sua vida", "salvar nossas fontes de água")
2 - Texto
Com informações sobre o uso da água no planeta, funciona como uma amarração entre os recursos gráficos e textuais da página
3 - Fotos
As três abordam o tema água, cada uma de uma perspectiva (histórica, econômica e ambiental). As legendas contextualizam o local de produção - somos informados que a imagem da poluição, por exemplo, é do rio Tietê
4 - Atividades
As duas propostas de trabalho (elaboração de lista e produção de um texto) pedem a participação ativa do aluno, incentivando a ampliação de conhecimentos
5 - Tabela
Recurso bastante presente nos textos científicos, apresenta dados numéricos para comprovar uma ideia ou fazer uma comparação
Antes da leitura, explorar textos e imagens do capítulo
Nesse caminho, antes de pedir que os estudantes leiam, questione-os sobre os elementos mais chamativos da página.
Mostre o título, as imagens, os gráficos e as tabelas que aparecem no livro e pergunte: do que esses elementos tratam?
Anote no quadro as principais hipóteses - que, aliás, são características fundamentais na prática da disciplina.
Considerá-las no início da leitura reforça o aprendizado do próprio método científico.
Maurina Izabel, professora da EMEF Mauro Faccio Gonçalves-Zacaria, na capital paulista, adota essa perspectiva. "Antes da leitura, promovo uma análise exploratória dos gêneros e recursos gráficos das páginas estudadas para aproximá-los do assunto que será tratado", explica.
Durante a leitura, sua tarefa principal é levar os alunos a comprovar ou refutar as hipóteses prévias.
"Se a opção for uma leitura compartilhada, paradas estratégicas para ver como eles estão compreendendo o conteúdo evita que se percam em meio a tantas proposições, algo comum nos textos de livros didáticos", comenta a professora Raquel Suiene, que usa esse procedimento com as turmas de 7ª série da EE Ministro Jarbas Passarinho, em Camaragibe, na região metropolitana de Recife.
Para auxiliar na construção do sentido global do texto, uma boa estratégia é sugerir que destaquem as partes do texto que trazem respostas para as dúvidas principais.
Se o tema for a presença da água no cotidiano, por exemplo, você pode incentivar a localização de dados que mostram a importância desse recurso na vida das pessoas, além de trechos sobre os problemas do mau uso dele.
Em seguida, a elaboração de um esquema ajuda a compreender as relações de causa e efeito.
Uma possibilidade de realização é a seguinte:
Resumos e relatos também são procedimentos de estudo que ajudam na compreensão do texto.
No caso dos resumos, para evitar as cópias, vale apostar na estrutura sugerida na reportagem O Desafio de Ler e Compreender .
Quanto aos relatórios (veja o quadro abaixo), eles são especialmente úteis para organizar as informações de atividades práticas, em que os alunos precisam seguir textos instrucionais.
Muito comuns em experiências e atividades práticas, eles também merecem atenção em sala.
Uma primeira decisão importante é justificar a própria função das instruções, mostrando a relevância de cada uma.
Isso evita que os alunos as executem como se fossem uma receita sem significado.
Outra necessidade é explicar palavras técnicas que invariavelmente aparecem.
Nesse ponto, uma saída é combinar a leitura do texto com as imagens que geralmente o acompanham, o que já ajuda a esclarecer muitas dúvidas.
Trabalhando assim, Maria Regina Martins, da EE Professor Leon Renault, em Belo Horizonte, consegue esclarecer muitas dúvidas.
"Nos casos em que a imagem não ajuda, debatemos as possibilidades e registramos o significado mais adequado em um banco de palavras, que cresce a cada experiência", explica.
Procedimento de estudo - Relatório
Comum em laboratórios e centros de pesquisa, ele resume e sistematiza o passo a passo das experiências da moçada
Ter clareza: Linguagem objetiva e descrição clara de tudo o que ocorreu na atividade são o segredo para a classe produzir relatórios de boa qualidade.
Texto típico da área científica, pede uma linguagem precisa, sempre deve ser vinculado a algum experimento ou observação de campo e serve para apresentar os resultados que foram coletados durante esses procedimentos.
A precisão e a objetividade na escrita dos relatórios garantem que todas as etapas da atividade prática sejam transmitidas de maneira compreensível e exata pelo autor da pesquisa.
Você deve deixar claro que as opiniões pessoais dos alunos não devem ser apresentadas nesse tipo de texto, já que a ênfase recai na observação de tudo o que ocorreu durante o procedimento.
Uma sugestão interessante de organização para apresentar as informações é dividi-las em tópicos: hipótese (a suposição provisória do resultado da experiência), objetivo da experiência (uma descrição resumida do que se pretende investigar), desenvolvimento (a descrição do passo a passo do experimento) e resultados e conclusão (parte em que se discute a hipótese à luz dos resultados). Essa estrutura é comum em trabalhos acadêmicos, aproximando a moçada dos procedimentos usados pelos cientistas.
No fim, pesquisar para cobrir lacunas do livro didático
Depois da leitura, tanto de textos expositivos como de instrucionais, é hora de fazer uma síntese do que foi lido.
Retome as hipóteses iniciais e questione quais foram comprovadas e quais foram refutadas. Também é o momento de preencher certas lacunas decorrentes da simplificação, especialmente nos livros didáticos.
Ao traçar um histórico da construção de uma teoria, por exemplo, é comum que os livros mencionem apenas os "figurões" e deixem de lado diversas contribuições de muitos outros cientistas igualmente importantes para que o conhecimento avançasse.
Cabe a você identificar esses buracos e orientar formas de mostrar as condições de produção do saber científico.
Do contrário, vai prevalecer a ideia de que ele é composto somente de uma sequência específica de procedimentos, desenvolvida por alguns poucos iluminados - quando o processo geralmente envolve muita discussão, observação, estudo e diálogo para aceitar ou combater as hipóteses que foram apresentadas.
Além disso, você não deve se contentar apenas com o texto oferecido pelos livros didáticos.
Para preparar a moçada para a vida acadêmica, é fundamental apresentar, pouco a pouco, textos realmente utilizados nos meios acadêmicos.
A medida é ainda mais importante porque a leitura de textos mais complexos é um dos gargalos na passagem do Ensino Fundamental para o Médio - justamente por encontrarem muitos problemas para interpretar os tipos mais complicados, vários jovens acabam engrossando as taxas de evasão.
No dia a dia da sala de aula, a leitura de textos difíceis pode ocorrer em diversas situações, como nas pesquisas que complementam as informações dos livros, em atividades de compartilhamento de curiosidades científicas lidas em revistas especializadas ou na análise de artigos de divulgação científica em jornais, por exemplo.
Uma maneira de fazer isso é orientar pesquisas para ampliar o entendimento do texto.
"Depois de conversarmos sobre o assunto, levanto as dúvidas que ainda restam e, com base nelas, indico outras fontes que podem ser encontradas na internet para complementar a aula", diz a professora Raquel, da EE Ministro Jarbas Passarinho.
Se o assunto for polêmico, vale investir em textos que discutam as informações a que os alunos tiveram acesso - reportagens de divulgação científica são uma ótima pedida (leia a sequência didática abaixo).
Assim, você contribui para mostrar que o conhecimento científico, em vez de se apoiar em verdades eternas, depende do permanente direito à dúvida.
Leitura de reportagens e produção de resumo sobre a Amazônia
Objetivo
Ler reportagens para aprofundar o conhecimento sobre polêmicas envolvendo a Amazônia.
Conteúdos
- Ecossistemas ou biomas brasileiros.
- Resumos de textos jornalísticos.
Tempo estimado Quatro aulas.
Material necessário
Textos que tratem sobre a Amazônia. Algumas sugestões são:
- especial Amazônia, da revista Veja
- reportagem Amazônia, do Verde às Verdinhas, da revista Super Interessante
- reportagem A Verdade sobre a Saúde da Floresta, de Veja
Desenvolvimento
1ª etapa
Após ler o capítulo do livro didático que trata das características da Amazônia, proponha à turma investigar mais a fundo os interesses envolvidos na manutenção ou destruição da floresta. Nesse debate, poderão surgir aspectos como pesquisa da indústria farmacêutica, preservação da floresta contra o efeito estufa, biodiversidade (do lado da preservação), geração de empregos para moradores da região, agronegócio e corte de madeira (do lado da destruição). Anote as hipóteses no quadro.
2ª etapa
Forme pequenos grupos, apresente os textos jornalísticos sobre a Amazônia e peça que cada um pesquise um dos temas levantados durante o debate, enfocando vantagens e desvantagens. Na exploração do material, oriente-os a fazer uma primeira leitura rápida, sem aprofundamentos, atentando para elementos como o título, subtítulo e legendas para selecionar quais reportagens ler com profundidade.
3ª etapa
Indique que cada grupo leia os textos selecionados procurando destacar, por meio de anotações ou esquemas, dados, conceitos e argumentos principais. Em seguida, oriente-os a fazer um resumo que reúna as informações principais sem que haja cópia.
4ª etapa
Para socializar as diferentes apurações, promova um debate entre os grupos, em que cada um conta à turma as descobertas que fez com a reportagem. Sugira que os alunos anotem no caderno os principais argumentos utilizados. No final, peça um texto individual em que cada um se posicione sobre a seguinte questão: Amazônia - preservação ou destruição? Em que medida e por quê?
Avaliação
Nas anotações e esquemas, verifique se o estudante consegue retirar dos textos as informações mais relevantes para a compreensão do assunto. Na confecção do resumo, verifique se dados igualmente importantes foram incorporados de maneira clara e coesa. Finalmente, no debate e nos textos opinativos, avalie se os argumentos se amparam em dados da pesquisa. Repetir a atividade com outros temas polêmicos é uma boa opção para que a turma crie familiaridade com os procedimentos de pesquisa e estudo apresentados.
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