Mamãe zangada
Após a simpática ovelha Selma, Jutta Bauer apresenta outra comovente publicação: "Mamãe Zangada". A partir de um tema intenso - a delicada relação entre mãe e filho -, Jutta cria uma emocionante metáfora para mostrar o que acontece com as crianças quando levam uma bronca daquelas. A história é sobre pingüins, mas certamente se aplica aos seres humanos. Quando leva uma bronca da mãe, o pequeno pingüim se despedaça em pleno ar e cada pedaço do seu corpo vai parar em um lugar bem distante. Com ilustrações expressivas e texto sucinto, a autora dá voz aos sentimentos e às fragilidades humanas ao alertar para o poder destruidor da indelicadeza. Um livro doce, com final surpreendente, mas sem meias-palavras. Um aprendizado para pais e filhos
Esse paradoxo pode nos ajudar a ler Mamãe zangada, de Jutta Bauer. Nessa obra em que texto e ilustrações são igualmente concisos e marcantes, um grito zangado da mãe faz um pequeno pinguim se despedaçar em pleno ar. Cada pedaço do seu corpo vai parar num lugar diferente, desde o deserto do Saara até o meio do oceano, passando pela floresta e por uma rua movimentada no centro da cidade.
O público adulto fica incomodado, pois se sente moralmente visado pela história: quem nunca gritou com — ou na presença de — uma criança? Desse incômodo vem a dúvida: será que este livro é apropriado para os pequenos? As preocupações que ele veicula parecem “adultas” demais: há violência onde deveria haver ternura e os efeitos dessa violência são mostrados sem meias palavras.
A história desbanca a ideia de que a criança não entende o que acontece à sua volta (e por isso não sofre). Mas, ao fazê-lo, provoca um sentimento oposto: o de que a criança é um ser frágil e incapaz, que é preciso proteger e tutelar. Sentimos que, ainda que essa seja a triste realidade de outras crianças, não há necessidade de expor os nossos filhos a isso tão cedo.
Por outro lado, as ilustrações são bem humoradas e ajudam a retomar uma visão menos simplista. As cores, a técnica escolhida e o fato de os personagens serem representados em volumes e não em contornos reforçam a percepção de que estamos diante de uma história de amor e não de uma notícia sensacionalista ou de um documento de denúncia social.
Acredito que a nossa leitura pode se beneficiar das idéias de outro grupo de adultos interessados em livros infantis: os psicólogos, que poderiam associar a experiência do pequeno pinguim ao chamado ‘estado esquizóide’. Schizein significa cindir, fraturar e designa um estado de desintegração do self. Por outro lado, a relativa desestruturação é parte da experiência de um bebê normal, que só aos poucos, apoiado por um ambiente acolhedor, vai construindo uma personalidade integrada.
Descrevendo o trabalho do profissional que cuida de uma pessoa em estado esquizóide, D. W. Winnicott [O Brincar e a Realidade] diz que ele deve ajudar a pessoa a ‘alcançar um estado de integração no espaço-tempo’, em que existe ‘um self que contém tudo’, por oposição a uma situação em que diversos ‘elementos dissociados vivem em compartimentos’ estanques ou ‘foram espalhados e abandonados por aí’. A aproximação entre as palavras de Winnicott e a história contada por Jutta Bauer é clara. Talvez as experiências de uma criança bem pequena sejam mais intensas do que somos capazes de conceber: há muito mais em jogo do que nas situações de perigo do mundo adulto. Daí o choque que o livro provoca em nós.
Ao fim e ao cabo (e se dermos crédito à psicologia e à psicanálise), a leitura de Mamãe zangada, apesar de difícil, pode ser muito proveitosa. Como muitas vezes acontece com as boas histórias, suas camadas de sentido podem não se apresentar logo de cara, mas recompensam o leitor curioso e disposto a interrogar-se.
Hoje de manhã mamãe gritou tanto que eu me despedacei em pleno ar”, conta o pingüinzinho do livro. Depois disso, ele já não podia gritar porque seu bico se perdeu nas montanhas;nem voar, pois as asas foram parar na selva; também não conseguia procurar a si mesmo porque os olhos estavam tão longe quanto as estrelas. Estava perdido, impotente e sem direção.
A mãe, porém, ao se dar conta da dor que causou, vai aos confins do planeta, recolhe o filhote aos pedaços - e pede desculpas. Afinal, é preciso reparar estragos, unir o que se perdeu e costurar o que se rasgou.
Como um pequeno paciente comentou há alguns dias, durante uma sessão de psicoterapia:
“Gente grande esquece que também é difícil ser pequeno”.
O livro de Jutta Bauer nos ajuda a lembrar.
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