A pipa e a flor
Rubem Alves
... Era uma vez um pipa.
O menino que a fez estava alegre, e imaginou que a pipa também estaria.
Por isso fez nela uma cara risonha, colando tiras de papel de seda vermelho: dois olhos, um nariz,uma boca...
Ô, pipa boa: levinha, travessa, subia alto...
Gostava de brincar com o perigo, vivia zombando dos fios e dos galhos das árvores.
Mas aconteceu um dia, ela estava começando a subir, correndo de um lado para o outro no vento, olhou para baixo e viu, lá no quintal, uma flor.
Ela já tinha encontrado muitas flores.
Só que desta vez seus olhos e os olhos da flor se encontraram, e ela sentiu uma coisa estranha. Não, não era a beleza da flor.
Já vira outras, mais belas. Eram os olhos...
A pipa ficou enfeitiçada. Não mais queria ser pipa.
Só queria ser uma coisa: fazer o que florzinha quisesse.
Ah! Ela era tão maravilhosa.
Que felicidade se pudesse ficar de mãos dadas com ela, pelo resto dos seus dias...
E assim, resolveu mudar de dono.
Aproveitando-se de um vento forte, deu um puxão repentino na linha, ela arrebentou, e a pipa foi cair, devagarinho, ao lado da flor.
E deu a linha para ela segurar.
Ela segurou forte.
Agora, sua linha nas mãos da flor, a pipa pensou que voar seria muito mais gostoso.
Lá de cima conversaria com ela, e ao voltar lhe contaria estórias para que ela dormisse.E ela pediu:
“- Florzinha me solta...”
E a florzinha soltou.
A pipa subiu bem alto e seu coração bateu feliz.
Quando se está lá no alto é bom saber que há alguém esperando, lá embaixo.
Mas a flor, aqui de baixo, percebeu que estava ficando triste.
Não, não é que estivesse triste. Estava ficando com raiva.
Que injustiça que a pipa pudesse voar tão alto, e ela tivesse de ficar plantada no chão. E teve inveja da pipa. Tinha raiva de ver a felicidade da pipa, longe dela...
Tinha raiva quando via as pipas lá em cima, tagarelando entre si.
E ela flor, sozinha, deixada de fora.
“- Se a pipa me amasse de verdade não poderia estar feliz lá em cima, longe de mim. Ficaria o tempo todo comigo...”
E a inveja juntou-se ao ciúme.
Inveja é ficar infeliz vendo as coisas bonitas e boas que os outros têm, e nós não.
Ciúme é a dor que dá quando a gente imagina a felicidade do outro, sem que a gente esteja com ele.
E a flor começou a ficar malvada.
Ficava emburrada quando a pipa chegava.
Exigia explicação de tudo.
E a pipa começou a ter medo de ficar feliz, pois sabia que isto faria a flor sofrer.
E a flor foi, aos poucos encurtando a linha e a pipa não conseguia mais voar.
Via, ali do baixinho, de sobre o quintal (esta era toda a distância que a flor lhe permitia voar) as outras pipas, lá de cima... E sua boca foi ficando triste. E percebeu que já não gostava da flor, como no início...
... A pipa percebeu que havia mais alegria na liberdade de antigamente que nos abraços da flor. Porque aqueles eram abraços que amarravam.
E assim, num dia de grande ventania, e se valendo de uma distração da flor, arrebentou alinha, e foi em busca de uma outra mão que ficasse feliz vendo-a voar nas alturas...
ALVES, Rubem. A pipa e a flor. São Paulo: Loyola, 2004. p.12-24.
Essa história não terminou.
Está acontecendo bem agora, em algum lugar... E há três jeitos de escrever o seu fim. Você é que vai escolher.
Primeiro:
A pipa ficou tão triste que resolveu nunca mais voar.
- “Não vou te incomodar com os meus risos, Flor, mas também não vou te dar a alegria do meu sorriso”.
E assim ficou amarrada junto à flor, mas mais longe dela do que nunca, porque o seu coração estava em sonhos de vôos e nos risos de outros tempos.
Segundo:
A flor, na verdade, era uma borboleta que uma bruxa má havia enfeitiçado e condenado a ficar fincada no chão. O feitiço só se quebraria no dia em que ela fosse capaz de dizer não à sua inveja e ao seu ciúme, e se sentisse feliz com a felicidade dos outros. E aconteceu que um dia, vendo a pipa voar, ela se esqueceu de si mesma por um instante e ficou feliz ao ver a felicidade da pipa. Quando isso aconteceu, o feitiço se quebrou, e ela voou, agora como borboleta, para o alto, e os dois, pipa e borboleta, puderam brincar juntos...
Terceiro:
A pipa percebeu que havia mais alegria na liberdade de antigamente que nos abraços da flor. Porque aqueles eram abraços que amarravam. E assim, num dia de grande ventania, e se valendo de uma distração da flor, somos algumas vezes pipa e na outra flor, umas vezes estamos preso em uma corda e que alguém está agarrando e ñ quer nos largar de jeito nenhum e na outra vez somos pipa quer ser livre , mas tem hora que precisamos de alguém para segurar a nossa corda ou melhor a nossa vida.
Fonte:
Interpretação
Contação da história
Turma da Mônica
Slides
Livro
Teatro
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